Há um acalorado debate no contencioso administrativo fiscal federal em torno do TERMO INICIAL do prazo que o fisco possui para revisar as bases que resultaram em prejuízo fiscal (IRPJ) e base de cálculo negativa (CSSL).
Este assunto retornou à mesa em debate após os últimos programas de parcelamento, no âmbito federal, admitirem a compensação de parte débitos dos contribuintes com créditos oriundos de acumulo de prejuízo fiscal e base negativa ao longo da vida operacional da empresa.
Em se tratando de direito creditório materializado em Prejuízo Fiscal ou Saldo Negativo de IRPJ e Base Negativa da CSLL, as alterações na base de cálculo do imposto subordinam-se ao prazo decadencial dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Até aqui há certo consenso.
Por outras palavras, não se pode alterar via procedimento de revisão fiscal o resultado da pessoa jurídica, devidamente apurado em DIPJ, após decorrido o prazo decadencial do art. 150, § 4º do CTN.
O imbróglio começa quando se tenta contar o termo inicial do lustro decadencial retro mencionado.
Nesse caso, o Contribuinte sustenta que o termo inicial é a data do fato gerador do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL, mesmo que não haja tributo a recolher, ao contrário, seja um exercício que houve prejuízo. Ex.: O prejuízo fiscal e base negativa gerados no exercício 2023 (31/12/2023), inicia seu prazo decadencial de 5 anos em 01/01/2024.
Noutro prumo, a Fazenda Pública sustenta ser o termo inicial a data do pedido de compensação (PER/DCOMP) onde o contribuinte usar o crédito decorrente do prejuízo fiscal e/ou base negativa para pagamento de qualquer débito tributário. Ex.: O prejuízo fiscal e base negativa gerados no exercício 2023 (31/12/2023), se for usado para compensação de lucros somente em 10/01/2030, na visão do fisco, seria essa data o termo inicial do prazo decadencial de 5 anos.
Quem está com a razão??? Em nosso modesto entendimento, mais uma vez, é o contribuinte. Explico porque.
A revisão feita pela Auditoria Fiscal da Fazenda Nacional sobre o Saldo Credor Tributário decorrente de acumulo de prejuízo fiscal e/ou base negativa da CSLL só pode ser levada a cabo dentro de procedimento fiscal regular do qual resulte ato de lançamento tributário, que é ato privativo da autoridade fiscal e, não necessariamente precisa ser feito para lançar tributos, mas para exigir retificações, obrigações acessórias e outros.
Nesse sentido, trago entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais:
DECADÊNCIA. GLOSA DE PREJUÍZOS FISCAIS. A teor do disposto no art 9° do Decreto 70.235/72 vigente a época dos fatos, há obrigatoriedade de lançamento (pelo Fisco) para efetuar a glosa de prejuízos fiscais e, naturalmente, de bases negativas de CSLL. Em havendo obrigatoriedade para que o Fisco efetue a respectiva glosa por meio de lançamento, é razoável que se entenda que tal medida não pode se dar indefinidamente a qualquer tempo; mas, ao contrário, deve estar sujeita aos prazos decadenciais para lançamentos estabelecidos no próprio Código Tributário Nacional. Considerada a natureza jurídica do IRPJ e CSLL (tributos sujeitos a lançamento por homologação), tem-se que ultrapassado o prazo de que trata o art. 150, 4º do CTN para lavratura do lançamento, estará definitivamente homologada (por decadência) a apuração de prejuízos fiscais e de bases negativas de CSLL feita pelo contribuinte e declarada à Receita Federal do Brasil. Recurso Especial do Contribuinte provido. (Acórdão nº 9101-000.654, de 30/08/2010 – 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais)
Ora, se a DIPJ foi entregue regularmente, na apuração do IRPJ e CSLL, que são tributos lançados por homologação, na qual foi informado o prejuízo fiscal do exercício e os acumulados em anos anteriores, de rigor que o fisco dispõe do prazo de 05 anos, a contar do momento da ocorrência do fato gerador, para efetuar o lançamento de crédito tributário, conforme determina o art. 150, § 4° do CTN.
Esse raciocínio se aplica mesmo nas hipóteses em que houve apuração, foi entregue a DIPJ, mas não houve tributo a recolher, já que eventual glosa de parte ou integralidade de Prejuízo Fiscal, Base de Cálculo Negativa de CSLL ou saldo negativo deve ser feita pela Autoridade Fiscal por meio de Lançamento Tributário, que tem prazo certo para ser realizado.
Sendo mais objetivo e claro. Se o fisco instaura procedimento para revisar as bases do prejuízo fiscal e base negativa, fará necessariamente adições ou exclusões no LALUR do contribuinte e, por óbvio, só pode fazer isto, indubitavelmente, por meio de lançamento tributário, ainda que de tal lançamento não resulte valor a recolher, mas reduzirá créditos tributários que seriam usados pelo contribuinte no futuro para pagar seus débitos.
Nesse sentido pedimos vênia para trazer à colação o Processo n. 10805.721977/201202 – Relato Conselheiro Benecdito Celso Benicio Júnior: “DECADÊNCIA – ALTERAÇÃO DO SALDO DE PREJUÍZO FISCAL – GLOSA NO APROVEITAMENTO. A contagem do prazo legal de decadência para que o fisco altere o valor do saldo de prejuízo fiscal deve ter início no período em que o prejuízo fiscal foi apurado e não o período em que o prejuízo fiscal foi aproveitado na compensação com lucro líquido.”
A Conselheira Dra. Vanessa Marini Cecconello (9303-012.808 – CSRF / 3ª Turma) em seu voto aduziu acertadamente sobre o prazo decadencial para revisão do prejuízo fiscal e base negativa que: “pensar de forma diversa, seria eternizar a possibilidade do Fisco rever a apuração de tributos dos contribuintes.”
É certo que a hermenêutica jurídica não pode levar a conclusão absurda e, como o sistema jurídico brasileiro possui a prescrição e decadência exatamente para estabilizar as relações jurídicas, a Conselheira Vanessa Marini Cecconello (9303-012.808 – CSRF / 3ª Turma) constrói um exemplo fictício: “Imagine se o exemplo em que o Fisco tivesse glosado o saldo negativo de 2000, por este ter sido composto por compensação de saldo negativo de 1996, composto por compensações de créditos de 1991 e assim por diante, até que o Fisco concluísse que não concorda com despesa deduzida pelo contribuinte em 1960.”
O ponto relevante aqui é a segurança jurídica, de modo que a decadência e a prescrição servem para dar estabilidade às relações na sociedade, o que inclui a relação entre fisco e contribuinte.
Ademais, a doutrina de boa cepa diz que: “A prescrição, em qualquer área do direito, é princípio de ordem pública e objetiva estabilizar as relações jurídicas. […] A imprescritibilidade resulta imoral sob qualquer aspecto na vida social, sendo exceção à regra geral do ordenamento jurídico brasileiro. Sem a prescrição tudo seria permanente” (meus grifos) (Renato Sobrosa Cordeiro. Prescrição administrativa. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 207, 1997)
A pretensão da Fazenda Nacional de argumentar que o prazo da revisão fiscal tem seu termo inicial por ocasião do pedido de compensação dos créditos tributários com os débitos do contribuinte não se sustenta e já foi rechaçado inúmeras vezes pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
O fisco deveria ter revisado a declaração de IRPJ da Requerente no lustro decadencial. Decorrido o prazo decadencial, não pode mais a autoridade fiscal, em análise de pedido de compensação, adicionar receita à base de cálculo do IRPJ para apurar o tributo devido e verificar a consistência do crédito pleiteado pelo contribuinte a título de saldo negativo de IRPJ ou CSLL.
Esse é o entendimento esposado nos v. acórdãos do CARF:
Ementa(s)
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2005
HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. REVISÃO DA APURAÇÃO DO LUCRO FISCAL E CONTÁBIL. IMPOSSIBILIDADE.
Em se tratando de direito creditório materializado em saldo negativo de IRPJ, excetuando-se grandezas que atuam diretamente sobre o imposto devido, por exemplo, estimativas e IRRF, assim como os valores com repercussão em diversos períodos, como realização do lucro inflacionário, saldo de prejuízos fiscais de anos anteriores, que podem ser verificadas a qualquer tempo respeitado o prazo inserto no § 5º, do art. 74, da Lei 9.430/96, as alterações na base de cálculo do imposto submetem-se ao prazo decadencial dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Não se pode alterar o resultado da pessoa jurídica, devidamente apurado em DIPJ, decorrido o prazo decadencial do art. 150, § 4º do CTN. O pedido de compensação não tem o condão de reabrir o prazo decadencial.(16306.000135/2009-17 – Sessão 07/08/2018 – Relator(a) DEMETRIUS NICHELE MACEI – Nº Acórdão 9101-003.692)
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2006 IRPJ. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. ART. 150, §4º DO CTN. O IRPJ e a CSLL, por serem tributos com lançamento por homologação, estão sujeitos ao prazo quinquenal fixado pelo artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional, computado a partir da ocorrência do fato gerador, termo inicial deslocado para o primeiro dia do exercício seguinte, nos moldes do artigo 173, I, do código, apenas se configurado dolo, fraude ou simulação. O mesmo racional se aplica, no entendimento adotado, à formação do prejuízo fiscal e base negativa da CSLL, cuja apuração, determinação, documentação e escrituração incumbem ao sujeito passivo, a quem também compete a prática de atos que levem o seu procedimento ao conhecimento do fisco, cientificandoo para a tomada de providências consideradas cabíveis, como eventuais glosas ou autuação. COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS NÃO OPERACIONAIS. DECADÊNCIA. CONTAGEM A PARTIR DA APURAÇÃO DO PREJUÍZO FISCAL E NÃO DA DATA DA REALIZAÇÃO DA COMPENSAÇÃO. O Fisco deve observar o prazo decadencial do CTN para exigência do contribuinte da comprovação da existência de prejuízos fiscais acumulados disponíveis para a compensação e para verificar os critérios utilizados na quantificação do valor do prejuízo e questionar a forma como ele foi apurado. Além disso, o termo a quo da contagem do prazo de 5 (cinco) anos ocorre na data da apuração do prejuízo fiscal e não a partir de quando foi efetivada a compensação. Transcorrido esse prazo, a Receita Federal não pode mais glosar o valor compensado, como ocorre no caso dos autos. (Processo nº 13609.721302/2011-89 – Recurso Especial do Procurador e do Contribuinte – Acórdão nº 9303-012.808 – CSRF / 3ª Turma – Sessão de 14 de fevereiro de 2022)
Nesse último julgado o relator foi mais incisivo em seu voto, ressaltando que: “No entanto, com a devida vênia, entende-se que a melhor solução para o caso concreto é diversa daquela encampada pelo Colegiado a quo. Conforme art. 150, §4º do CTN, o Fisco tem o prazo de 5 (cinco) anos a contar da data do fato gerador para efetuar o lançamento do crédito tributário, aplicando-se esse racional inclusive à análise e eventual glosa de parte ou integralidade de Prejuízo Fiscal, Base de Cálculo Negativa de CSLL ou saldo negativo.”( Acórdão nº 9303-012.808 – CSRF / 3ª Turma).
Por fim, uma observação no sentido de que, para ser viável aplicação do Artigo 150, par. 4º do CTN se faz necessário que o contribuinte tenha entregue regularmente a DIPJ apresentando regularmente o prejuízo fiscal e base negativa à UNIÃO FEDERAL. Se não houve apresentação da DIPJ o prazo prescricional a ser aplicado é o do Artigo 173, I do CTN.
Nesse sentido a Ilustre Conselheira Edeli Pereira Bessa, no Acórdão nº 1302-001.796, trouxe em suas razões de decidir um organograma bastante elucidativo, que pedimos vênia para colacionar:
São estas as razões pelas quais podemos concluir com alguma segurança técnica de que a revisão das bases do prejuízo fiscal e base negativa decorre necessariamente de revisão fiscal com lançamento tributário, o qual deve observar o prazo de 5 Anos, contados da data do fato gerador, para os tributos lançados por homologação, como é o caso do Imposto de rendas.
O lançamento por homologação feito pelo contribuinte e declarado pode ser revisado pelo fisco no prazo decadencial do Artigo 150, par. 4º do CTN, a partir do momento do fato gerador, não a partir do momento em que o contribuinte utiliza o referido crédito para compensar com seus débitos nas hipóteses legais.
S.M.J. é a interpretação que nos parece mais razoável.