Em 29/03/2019 foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 65/2019, na qual a Secretaria da Receita Federal constrói posicionamento no sentido de tributar o resultado e o faturamento decorrente dos descontos de multas e juros de mora obtidos em decorrência da adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), instituído pela Lei nº 13.496/2017.
Embora a Solução de Consulta trata de IRPJ, CSLL, PIS e da COFINS vamos separar as coisas aqui, porque são tributos bem diferentes, aqueles(IRPJ e CSLL) incidem sobre resultado e estes (PIS e COFINS) incidem sobre faturamento. Nesse artigo analisaremos somente os reflexos destes descontos obtidos nas contribuições ao PIS/COFINS.
Considerando se tratar de juros estornados, necessário verificarmos se os mesmos comportam enquadramento no conceito de FATURAMENTO exigido pela legislação do PIS/COFINS.
Referidas contribuições sociais estão albergadas na Lei 10.637/2002, para recolhimento do PIS, e na Lei 10.833/2003, para recolhimento da COFINS, estão fundamentadas no bojo Constitucional com a finalidade de custeio da Seguridade Social e encontram fundamento no Artigo 195, da Constituição Federal.
O conceito de FATURAMENTO para fins de incidência desta contribuição, de acordo com o entendimento dado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 574.706/PR, COM REPERCUSSÃO GERAL, aduz que: “… O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. (Grifei)” Ministro Marco Aurélio.
Nessa mesma linha e no mesmo julgamento seguiram a maioria dos Ministros, a lembrar-se do voto do Ministro Cezar Peluso, cuja clareza merece transcrição também: “O problema todo é que, neste caso, se trata de uma técnica de arrecadação em que, por isso mesmo, se destaca o valor do ICMS para efeito de controle da transferência para o patrimônio público, sem que isso se incorpore ao patrimônio do contribuinte. (…) trata-se de um trânsito puramente contábil, significando que isso, de modo algum, compõe o produto do exercício das atividades correspondentes aos objetivos sociais da empresa, que é o conceito de faturamento (…)” (grifei)
A doutrina também segue na mesma linha, a começar por Antônio Carlos Minatel[1], segundo o qual: “(…) nem todo ingresso tem natureza de receita, sendo imprescindível para qualificá-lo o caráter de ‘definitividade’ da quantia ingressada, o que não acontece com valores só transitados pelo patrimônio da pessoa jurídica, pois são por ela recebidos sob condição (…)” E mais, prossegue o eminente jurista aduzindo que a definitividade a que faz referência consiste em que o “(…) ingresso definitivo é aquele que adentra o patrimônio do vendedor em contrapartida da mercadoria transferida ao comprador (…”). Ao final arremata: “Portanto, só se pode falar em ‘receita’ diante de ingresso a título definitivo no patrimônio da pessoa jurídica (…)”
Roque Antônio Carrazza[2] apresenta profundidade de raciocínio jurídico ao sustentar que: “‘Faturamento’ não é um simples ‘rótulo’. Tampouco, ‘venia concessa’, é uma ‘caixa vazia’, dentro da qual o legislador, o intérprete ou o aplicador podem colocar o que bem lhes aprouver(…). Na busca de esclarecer de forma mais objetiva o assunto, argumenta: “Noutras palavras, ‘faturamento’ é a contrapartida econômica, auferida, como ‘riqueza própria’, pelas empresas em razão do desempenho de suas atividades típicas.”
Dos argumentos conceituais extraídos da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal podemos afirmar que o estorno dos juros contidos nas cobranças tributárias constituem previsão de despesas e o estorno destas despesas não se transforma em receita que se enquadre no conceito de faturamento. Estamos no campo das despesas, restando inviável tratar a reversão de uma despesa prevista como uma receita após a sua reversão, para fins destas contribuições.
Especificamente sobre este ponto veja precedente do Tribunal Regional Federa da Quarta Região, bastante didático e objetivo:
PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. FATURAMENTO. ESTORNO DE DESPESAS. 1.Compreende-se por receita bruta/faturamento a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. 2. Consoante o disposto no artigo 3º, § 2º, II, da Lei nº 9.718/98, para se determinar a base de cálculo das contribuições, deve-se excluir da receita bruta as reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas. 3. O estorno da despesa previamente lançada – pagamento dos juros – pode ser, sim, caracterizado como reversão de provisões, não representando ingresso de novas receitas. Primeiro, pois o estorno da provisão, por si, não configura receita auferida; segundo, porque a reversão dessa provisão destinada ao pagamento dos juros tampouco representa ingresso de novas receitas; em terceiro lugar, porque admitindo-se a tributação, estar-se-ia tributando o contribuinte duas vezes: a primeira quando ingressaram os valores na contabilidade, configurando, sim, receita, e a segunda, quando foram estornados esses valores, sem qualquer substrato jurídico para tanto. 4. Não é possível confundir lucro com receita, nem recuperação de despesas com lucro operacional. O estorno de despesas e provisões, em que pese relacionada à determinação do lucro operacional, ocasionando aumento da posição líquida da empresa, não repercute para fins de determinação da base da cálculo das contribuições em questão, que é o faturamento.(TRF-4 – AMS: 64862 PR 2002.70.00.064862-0, Relator: DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, Data de Julgamento: 11/05/2004, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 30/06/2004 PÁGINA: 693)
Até mesmo a própria Receita Federal já externou entendimento, em outra solução de consulta, que as reversões de provisão não se enquadram como base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS, senão vejamos:
SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF06 Nº 118, DE 08 DE NOVEMBRO DE 2010
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
(…)
ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
EMENTA: PROVISÃO. REVERSÃO. Para efeito de apuração da base de cálculo da COFINS poderão ser excluídos da receita bruta, quando a tenham integrado, os valores das reversões de provisões.DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Nº 9.718/1998, cujos artigos 2º e 3º, § 2º, II, Decreto Nº 4.524/2002, artigos 22, V e 23, V e IN SRF Nº 247/2002, artigo 23, V.
ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep
EMENTA: PROVISÃO. REVERSÃO. Para efeito de apuração da base de cálculo do PIS podem ser excluídos da receita bruta, quando a tenham integrado, os valores das reversões de provisões. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Nº 9.718/1998, cujos artigos 2º e 3º, § 2º, II, Decreto Nº 4.524/2002, artigos 22, V e 23, V e IN SRF Nº 247/2002, artigo 23, V.
Deste modo parece inegável que realmente as REVERSÕES DE PROVISÃO DE JUROS não compõem a base de cálculo das contribuições ao PIS e a COFINS, visto tal situação não se amoldar ao fato gerador destes tributos.
Ocorre que a receita federal tem enquadrado estes “descontos obtidos” no grupo das “Receitas Financeiras” e, ainda neste ponto, entendemos como indevida a cobrança, visto que as contribuições ao PIS e a COFINS se tratam de tributos que incidem sobre o “faturamento” da pessoa jurídica tal como delimitado pelo Supremo Tribunal Federal nos limites da Constituição Federal e não sobre resultado/lucro, de modo que qualquer desconto obtido pelo contribuinte, ainda que negociado, não pode ser considerado receita financeira, visto que trata-se daquilo que ele “deixou de gastar” e, embora possa refletir no resultado operacional da empresa não compõe o seu “faturamento”.
A própria jurisprudência administrativa da Receita Federal já explicou que:
RECEITA BRUTA. CONCEITO CONTÁBIL E JURÍDICO. REDUÇÃO DE PASSIVO. O conceito contábil de receita, para fins de demonstração de resultados, não se confunde com o conceito jurídico, para fins de apuração das contribuições sociais. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições. A mera redução de passivo, conquanto seja relevante para apuração de variação do patrimônio líquido, não se caracteriza como receita tributável pelo PIS e Cofins, por não se tratar de ingresso financeiro. Recurso Voluntário Provido. Crédito Tributário Exonerado”.(CARF, Processo 16327.720855/2014-11, Acórdão 3402-004.002, Data da Sessão 30/03/2017)
No mesmo sentido tem caminhado o Poder Judiciário em decisões liminares.[3]
Acrescente-se a isso que reconhecer estes estornos como receita financeira tornaria incompatível com a realidade as demonstrações financeiras das companhias, criando um desempenho financeiro positivo fictício e incompatível com as boas práticas contábeis e de mercado, de modo que restariam maculadas suas demonstrações financeiras, fazendo parecer que houveram ganhos financeiros onde realmente não existiu.
Disto resulta que a absolutamente inviável a cobrança de Contribuições ao PIS e COFINS sobre os descontos obtidos em parcelamentos tributários, devendo os Contribuintes ficarem atentos e diante da inflexibilidade do Fisco aviarem as medidas administrativas e judiciais adequadas.
[1] “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, p. 100/102, item n. 4, 2005, MP Editora;
[2] “ICMS”, p. 530/542, 12ª ed., 2007, Malheiros.
[3] Vide processos: 1. Justiça Federal Vilhena/RO – 1000052-91. 2018.4.01.4103 e Justiça Federal São Paulo/SP – 5002526-13.2021.4.03.6105