Recentemente muitas famílias do Agro Brasileiro vêm integralizando os imóveis rurais em pessoas jurídicas agro, ou administradoras de bens, e o fazem ao valor histórico do imóvel constante da declaração de imposto de rendas do patriarca ou matriarca da família.
Ocorre que, no momento da alienação do imóvel, a apuração do ganho de capital suscita questão relevante sobre quais as bases de cálculo se utilizar para tributação, uma vez que, para imóveis rurais, existe regra específica de tratamento tributário diferenciado prevista na Lei 9.393/1996.
É que a regra geral de apuração do ganho de capital na alienação de imóveis estabelecida pela legislação do Imposto de Rendas (Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988) e pelo Regulamento do Imposto de Rendas (Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018), determinam como base de cálculo do “Ganho de Capital” ou, também chamado, de “Lucro Imobiliário”, a diferença positiva entre o valor de compra ou custo de aquisição e o preço efetivo da venda do imóvel.
Pela boca da Lei 7.713/1988, temos que o custo de aquisição é apurado da seguinte forma: “Art. 16. O custo de aquisição dos bens e direitos será o preço ou valor pago, e, na ausência deste, conforme o caso: I – o valor atribuído para efeito de pagamento do imposto de transmissão; II – o valor que tenha servido de base para o cálculo do Imposto de Importação acrescido do valor dos tributos e das despesas de desembaraço aduaneiro; III – o valor da avaliação do inventário ou arrolamento; IV – o valor de transmissão, utilizado na aquisição, para cálculo do ganho de capital do alienante; V – seu valor corrente, na data da aquisição.” E a Lei arremata, ainda, que: “Art. 16. […] § 1º O valor da contribuição de melhoria integra o custo do imóvel.”
Esse valor do custo de aquisição poderia ser corrigido monetariamente, conforme regras previstas no Artigo 17 da Lei 7.713/1988, que a partir de maio de 1989, determinou a aplicação da variação do BTN para correção do custo de aquisição dos imóveis, índice que, posteriormente, fora substituído pela T.R. (Taxa Referencial), (Arts. 5º e 6º da Lei n. 8.177 /91). Essa sistemática, no entanto, vigorou somente até o advento da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, onde ficou estabelecido que: “Art. 17. Para os fins de apuração do ganho de capital, as pessoas físicas e as pessoas jurídicas não tributadas com base no lucro real observarão os seguintes procedimentos: I – tratando-se de bens e direitos cuja aquisição tenha ocorrido até o final de 1995, o custo de aquisição poderá ser corrigido monetariamente até 31 de dezembro desse ano, tomando-se por base o valor da UFIR vigente em 1º de janeiro de 1996, não se lhe aplicando qualquer correção monetária a partir dessa data; II – tratando-se de bens e direitos adquiridos após 31 de dezembro de 1995, ao custo de aquisição dos bens e direitos não será atribuída qualquer correção monetária.”
Mas esse é o panorama da regra geral. Nos interessa aqui o fato de que o advento da Lei 9.393/1996 trouxe a lume um novo panorama jurídico tributário, especificamente no tocante à apuração do “ganho de capital” ou “lucro imobiliário” para empresas do Lucro Presumido.
É que regra é específica para a alienação de imóveis rurais, contemplada na Lei nº 9.393/1996, e consiste em significativas alterações na metodologia de apuração do ganho de capital na alienação de imóveis rurais a partir de 1º de janeiro de 1997.
Em uma perspectiva introdutória impende consignar que o Imóvel Rural, definido para fins fiscais pela própria Lei nº 9.393/96 (Artigo 1º, §2º), consiste em: “[…]considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município”. Referido dispositivo legal deve ser interpretado em cotejo com o Artigo 32, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional, segundo o qual a zona rural constitui conceito complementar de zona urbana.
Especificamente sobre a apuração do “ganho de capital” e/ou “Lucro Imobiliário” na venda de imóveis rurais a Lei nº 9.393/96 estabeleceu, em seu artigo 19, uma regra especial: “Art. 19. A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação. Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.”
De acordo com referida regra, inaugura-se dois sistemas de apuração do ganho de capital: (i) Aqueles adquiridos antes de 1/1/1997, o custo de aquisição será efetivo critério, constante na escritura pública, observado o disposto no artigo 17 da Lei nº 9.249/95; (ii) Para os adquiridos após 01 de janeiro de 1997, o parâmetro será a dedução do VTN inicial (ano da compra), do VTN final (ano da venda).
Aparentemente cenário legislativo estaria desenhado e pacificado sem maiores problemas havendo, inclusive, manifestação da Receita Federal do Brasil por meio da Solução de Consulta-SC Disit SRRF 06 nº 31/2011, onde se estabeleceu a seguinte ementa: “Na alienação de propriedade rural, a determinação do ganho de capital obedece a forma de tributação utilizada pela empresa no período de apuração em que ocorre a venda. Se tributada pelo lucro real, a determinação do ganho de capital obedecerá ao disposto no § 1º do art. 418 do RIR/99. Se tributada pelo lucro presumido, para fins de apuração de ganho de capital, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o Valor da Terra Nua – VTN constante do Documento de Informação e Apuração do ITR-DIAT, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação, respectivamente.”
Acrescente-se, nesse ponto, que as empresas voltadas à atividade rural quando tributam seu resultado, já se beneficiam de tributação diferenciada, prevista na Lei nº 8.023/1990, podendo deduzir os investimentos na atividade rural e todas as demais despesas do ano-base das receitas do ano-base, sendo que esse resultado líquido deverá ser considerado como base de cálculo do IR, para fins de atividade rural e, em caso de prejuízo acumulado, não há limitação de trinta por cento à utilização de tal prejuízo.
Noutro prumo, a parcela correspondente ao valor da terra nua não segue essa sistemática, mas deve ser tributada como “lucro imobiliário” e “ganho de capital” em separado. Concentrando nossos esforços nos imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997, o ganho de capital deverá ser apurado nesta nova sistemática, calculando a diferença entre o VTN declarado no ano de venda e o VTN do ano de aquisição.
Disto resulta que no caso de aquisição e venda de um imóvel rural no mesmo ano, ainda que por valor maior que o da aquisição, nada será devido a título de ganho de capital, haja vista inexistir base de cálculo.
Ao regulamentar a norma a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa SRF nº 84/2001, estabeleceu forma de apuração do ganho de capital, com a devida vênia, distinta daquela estabelecida pelo Art. 19 da Lei nº 9.393/1996. A Instrução Normativa estabelece, em seu Artigo 10, o seguinte: “Art. 10. Tratando-se de imóvel rural adquirido a partir de 1997, considera-se custo de aquisição o valor da terra nua declarado pelo alienante, no Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat) do ano da aquisição, observado o disposto nos arts. 8º e 14 da Lei No 9.393, de 1996. § 1o No caso de o contribuinte adquirir: I – e vender o imóvel rural antes da entrega do Diat, o ganho de capital é igual à diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição; II – o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliená-lo, no mesmo ano, após sua entrega, não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor. § 2o Caso não tenha sido apresentado o Diat relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação. § 3o O disposto no § 2o aplica-se também no caso de contribuinte sujeito à apresentação apenas do Documento de Informação e Atualização Cadastral (Diac).”
Ora, a Instrução Normativa faz um jogo de palavras com o DIAT para tentar, salvo melhor juízo, desvirtuar ou mitigar a aplicação da norma inscrita no Art. 19 da Lei nº 9.393/1996, condicionando a fruição de tal regime à entrega do DIAT, o que efetivamente não se encontra em quaisquer dos dispositivos da referida lei como critério para enquadramento do contribuinte ao referido regime de apuração.
Primeiro ponto a ser enfrentado é o momento da aquisição ou venda do imóvel rural em relação à entrega do DIAT. A nosso juízo o momento da aquisição ou alienação mostra-se irrelevante à apuração do ganho de capital, já que o Valor da Terra Nua declarado será o mesmo para o ano todo, com a simples diferença que o momento da declaração é todo mês de setembro de cada ano.
O Segundo Ponto a ser enfrentado está ligado à pessoa que faz a declaração do DIAT. Não se verifica na norma qualquer reserva em relação a ‘quem’ declarou o DIAT, portanto, independentemente de quem declarou, vale o Valor da Terra Nua declarado.
As restrições impostas pela Instrução Normativa não encontram respaldo na Lei 9.393/1996 e, portanto, transborda sua esfera de competência, violando, diametralmente, o princípio da estrita legalidade tributária, insculpido no art. 150, I da Constituição da República e no Artigo 97 do Código Tributário Nacional.
Não por outros motivos é que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), quando chamado a se manifestar sobre o tema, se posicionou da seguinte forma: “IRPF. GANHO DE CAPITAL. IMÓVEL RURAL. LEI 9393/96. CUSTO DE AQUISIÇÃO E VALOR DE ALIENAÇÃO. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO. VTN. FALTA DO DIAC OU DO DIAT. APLICAÇÃO DO ART. 14. ANTINOMIA COM A IN SRF 84/2001. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Quanto aos imóveis rurais, a Lei 9393/96, que dispõe sobre o ITR, também regulamenta a apuração do ganho de capital a partir de 1º de janeiro de 1997, estipulando que se considera custo de aquisição e valor de venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos de sua aquisição e de sua alienação. 2. A falta de declaração dos VTNs implicará o seu arbitramento de conformidade com o sistema de preço de terras. 3. O § 2º do art. 10 da IN SRF 84/2001, ao prever como custo e valor de alienação os constantes nos respectivos documentos de aquisição e alienação, não se compatibiliza com as normas legais retro mencionadas. 4. O critério jurídico utilizado pela autoridade lançadora está equivocado, de forma que o lançamento deve ser cancelado. (Acórdão. 2402-005.934 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, j. em 08/08/2017).(grifei)
Em sede de Tribunal Regional Federal, o da 4ª Região – TRF4, se pronunciou sobre o tema, nos seguintes termos: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPF. VENDA DE IMÓVEL RURAL. GANHO DE CAPITAL. FORMA DE APURAÇÃO. CRITÉRIOS. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 84/2001. LEI Nº 9.393/96. 1. A regra estabelecida no art. 10º, caput e § 2º, da IN/SRF nº 84/2001, ao restringir as hipóteses em que o valor da terra nua declarado na DIAT possa ser utilizado para fins de apuração do imposto de renda sobre ganho de capital (IR/GCAP) na venda de imóveis rurais adquiridos a partir de 1997, está, em tese, confrontando a previsão legal contida no artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, o qual não exige que a DIAT tenha sido apresentada necessariamente pelo adquirente. 2. A Lei nº 9.393/1996 prevê que, mesmo em caso de não apresentação da DIAT, ainda assim não seriam considerados na apuração do IR/GCAP o valor da terra nua registrado das transações imobiliárias, mas sim o valor da terra nua constante do sistema de informações de preços de terras de que dispõe a Receita Federal. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº XXXXX-94.2015.4.04.7001/PR, 2ª TURMA, RELATOR: DES. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, j. em 12/04/2016).
Nesse sentido a inteligência da norma nos leva à ilação de que, independentemente do momento da aquisição do imóvel rural e, ainda, independentemente de “quem” declarou o DIAT, o proprietário de imóvel rural deve apurar o ganho de capital, nos termos da Lei nº 9.393/1996, considerando a diferença entre o DIAT de compra e o DIAT de venda do imóvel. Assim, independente de qual seja o valor constante dos instrumentos de venda e compra do imóvel rural, para fins de ganho de capital, o regime a ser utilizado é o da Lei 9.393/1996.
Uma questão final, pertinente à receita não tributada em decorrência da venda do imóvel rural, diz respeito à tributação da diferença existente entre o valor real de venda (preço da escritura) e o valor da terra nua na data da venda (Valor da Terra Nua), o qual foi utilizado como base de cálculo para o ganho de capital.
Há quem entenda que esta diferença deve ser tributada como receita da atividade rural no final do exercício, aplicando-se a sistemática prevista no Art. 4º da Lei nº 8.023/1990, regulamentada pelo Art. 5º da Instrução Normativa SRF nº 83/2001.
Com a devida vênia aos entendimentos contrários, não se mostra razoável em um mesmo fato gerador aplicar duas sistemáticas distintas e ao mesmo tempo para apuração do Imposto de Rendas, uma pelo ganho de capital e outra pela receita bruta do exercício.
Esse valor da diferença entre a terra nua e o preço real de venda, com a devida vênia de quem pensa diferente, constitui receita não tributada, porque se assim não for o regime alternativo previsto na lei de nada vale ou fica mitigado.
A tributação diferenciada é comum na atividade rural, a exemplo da apuração do lucro presumido, onde oitenta por cento da receita não é tributada, visto que o lucro fica presumido sobre vinte por cento da receita do exercício.
Por estas razões é que entendemos razoável a aplicação da sistemática prevista na Lei 9.393/96, independentemente do momento da entrega do DIAT e, ainda, independentemente de ‘quem’ entrega o DIAT. Em respeito à legalidade, tal lei deve ser aplicada na sua integralidade.
Ante o exposto, com alguma segurança técnica, se mostram razoáveis as seguintes conclusões:
1. O instrumento jurídico adequado à transferência do imóvel rural é a escritura pública de venda e compra, que deve ser devidamente registrada no Cartório de Imóveis competente;
2. Os valores da base de cálculo do “ganho de capital” ou “Lucro Imobiliário” em regra geral seria o resultante da diferença entre o preço de venda e o custo de aquisição;
3. No caso específico de imóvel rural a lei 9.393/1996 institui regime tributário diferenciado permitindo o uso da diferença apurada entre o valor constante no DIAT e Venda e o DIAT apresentado no ano da Compra do imóvel;
4. O momento da aquisição ou alienação do imóvel durante o ano mostra-se irrelevante à apuração do ganho de capital, já que o Valor da Terra Nua declarado no DIAT de compra e de venda será o mesmo para o respectivo ano todo de sua entrega, com a simples diferença que o momento da declaração é todo mês de setembro de cada ano;
5. Irrelevante também a pessoa que entrega o DIAT de compra ou DIAT de venda, já que a norma não traz qualquer reserva em relação a ‘quem’ declarou o DIAT, portanto, independentemente de quem declarou, vale o Valor da Terra Nua declarado.
6. As jurisprudências, administrativa e judicial, tem afastado as restrições impostas pela Instrução Normativa da Receita Federal pertinente ao assunto.
7. O Saldo remanescente entre o valor de venda e o valor tributado pelo Regime da Lei 9.363/96, salvo melhor juízo, deve ser tratado como receita não tributada, visto que a apuração do ganho de capital na venda de imóvel rural tem regime alternativo específico.
S.M.J. é o que nos parece face à legislação e jurisprudência pertinente ao assunto, ressalvando que a adoção de qualquer procedimento ou postura fiscal é passível de questionamento pelo Fisco e, nestes termos, é de responsabilidade exclusiva do Contribuinte a adoção de qualquer postura face ao assunto objeto do presente estudo.